A última vez
Assim como existe uma primeira vez para tudo, há também uma última vez. A diferença fundamental entre ambas é que você sabe quando a primeira acontece, enquanto a última pode passar despercebida.
Nos lembramos perfeitamente da primeira vez que ingerimos álcool, da primeira vez que entramos em uma briga e da primeira vez que fizemos sexo. Por outro lado, com as últimas vezes não é assim. Por mais que já tenhamos feito muitas coisas pela última vez, não conseguimos categorizar essas memórias dessa maneira apenas porque ainda estamos vivos e esperamos que elas se repitam. Mas a verdade é que não temos controle sobre as últimas vezes. Inclusive, quando sentimos a necessidade de fazer algo pela última vez, as chances de continuarmos fazendo são muito grandes. Não tem como prever nem determinar. As últimas vezes se mascaram na banalidade do momento, e, quando percebemos, já passou. Como o último sexo de um relacionamento. O momento em que as duas pessoas se relacionam e nenhuma delas sabe reconhecer aquela transa como a última de suas vidas. Elas podem até permanecer juntas por mais alguns dias, semanas ou meses, mas nunca mais se tocarão com a mesma intimidade. Dali para frente, voltam a ser dois estranhos. Dois estranhos que sabem demais um sobre o outro. Estranho. Numa hora, o sentimento transborda; na outra, ele se esvaziou. Extremos que conseguem se olhar nos olhos de tão perto que estão. Um sexo ingênuo aos olhos do tempo, e que, se enxergássemos com a mesma nitidez de uma primeira vez, talvez fosse diferente. Talvez não fosse o último. Ou talvez nem fosse.
As últimas vezes são assim. E o pior: não podemos nos despedir delas. Chegam sem avisar e só se fazem notar no momento em que a memória cobra. Quando nos damos conta, já passou e nunca mais vai acontecer de novo. É assim que elas entram para o museu das lembranças, onde os seus cinco sentidos nunca vão poder acessá-las (a menos que tenham a ajuda de um hipnólogo). A última vez que comeu a sua comida favorita. A última vez que comeu algo que detestou. A última vez que brincou com os seus brinquedos. A última vez que brincou. A última vez que fez uma viagem. A última vez que foi à praia. A última vez que fez carinho em seu cachorro. A última vez que viu um amigo. A última vez que conversou com a sua mãe. A última vez que se divertiu com o seu pai. A última vez que fez algo pela primeira vez. Todas as coisas estão aí, aguardando para acontecer por uma última vez em algum momento de nossas vidas. E mesmo que às vezes pareça triste olhar para trás e tentar perceber nas coisas que nunca mais vamos poder fazer, não é. Triste é não poder saber exatamente quando se está fazendo algo pela última vez. Pois se soubesse, com certeza faria diferente.